quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Dante Gabriel Rossetti e a Irmandade Pré-Rafaelita - I Parte





O Sonho de Dante

O interesse hereditário pela vida e obra de Dante Alighieri na família Rossetti levou Gabriel Charles Dante (1828-1882), um dos filhos do poeta e acadêmico napolitano Gabriele Pasquale Giuseppe Rossetti (1783-1854) a mudar seu nome artístico para Dante Gabriel Rossetti, talvez o mais conhecido dentre os fundadores e integrantes da Irmandade Inglesa Pré-Rafaelita.
Junto a Everett Millais e William Hunt e sob a proteção do renomado crítico de arte John Ruskin, eles deram relevância e referência a um movimento que podemos considerar talvez como um dos últimos alentos românticos dentro da cena artística do século XIX. Os intrigantes Pré-Rafaelitas tentaram restaurar ideais estéticos baseados no Renascimento Italiano temperados com uma apologia mística que buscou ressacralizar o mítico reinado do Rei Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda como detentores mágicos do Santo Graal, tornando assim o solo inglês e a história de seus ancestrais algo sagrado e demiúrgico.
A retomada de vários ideais clássicos tomados do Quattrocento fez também com que os Pré-Rafaelitas se vissem influenciados por um amálgama de criação inventiva que ia de William Blake aos poetas românticos ingleses. A própria literatura que se praticava então, com Lord Tennyson, Robert Browning e Elizabeth Barret, para citar apenas alguns, também era, sob uma certa perspectiva, outra releitura do Romantismo Inglês, um culto ao glamour, ao sexo livre e ao oculto (com direito ao macabro e sinistro culto da morte em todos os sentidos). A arte visionária, de ordem abertamente metafísica exercida por William Blake no século XVIII, aliás muito adiante de seu tempo, será aqui mais que uma âncora para esse movimento. Blake sempre teve o dom de projetar sua infuência como uma catapulta de pacífica revolução. O movimento Pré-Rafaelita culmina e comunga de todos esses ápices.
Gabriele Pasquale Giuseppe Rossetti, intelectual, curador de arte e professor, pai de Dante Gabriel Rossetti, foi um refugiado político condenado a uma sentença de morte que conseguiu escapar ileso da Itália fugindo por Malta em 1824, onde viveu por aproximadamente três anos antes de se estabelecer definitivamente na Inglaterra. Durante sua fuga ele teve uma visão ou inspiração com o poeta Dante Alighieri onde este lhe pedia que escrevesse sobre o significado da Divina Comédia, trabalho a que Gabriele se dedicou com afinco, apresentando a obra como um tratado esotérico que defendia algumas ideias muito interessantes e originais. Dois anos após sua chegada a Londres ele se casou com Frances Mary Lavinia Polidori, filha de outro professor italiano e homem de letras, Gaetano Polidori, também este radicado na Inglaterra.
Um dos filhos de Gaetano era ninguém menos que o enigmático John Polidori (1828-1882), amigo e médico particular do grande Lord Byron. Ele estava na companhia de Byron, Shelley, Mary Shelley e Claire Clairmont na famosa Villa Diodati, uma casa alugada por Lord Byron às margens do Lago de Genève, Suíça, lugar desde então mal falado e mal visto em toda a vizinhança, fato bastante comum a tudo que se relacionasse ao kilométrico histórico de escândalos e ousadias de Byron, que gozava já naquela época do inédito status de verdadeiro astro internacional, isso num período em que os meios de comunicação eram totalmente precários e escassos. Nesta mansão, a título de diversão à luz de velas nas noites de tédio, por sugestão do locatário, eles vieram a inventar alguns dos pilares para histórias de terror que depois sobreviveriam ao longo do tempo, inspirando literatura, teatro, cinema, música e artes visuais. A John William Polidori deve-se a primeira história sobre vampiros e a Mary Shelley a invenção do escalafobético mito de Frankenstein.
Os diários de viagem de Polidori foram editados muito tempo após sua morte por um de seus sobrinhos, William Michael Rossetti. Nenhum dos quatro talentosos e notáveis filhos de Gabriele Pasquale chegou a conhecer o célebre tio que faleceu aos 29 anos de idade em situações nunca devidamente esclarecidas.
Havia, pois, na família de Dante Gabriel Rossetti, um forte ambiente literário. Os filhos compartilhavam cúmplices, ideais vindos de duas fortes culturas e isso favorecia um ecossistema interno que repercutiu de maneira fértil no trabalho marcante e carismático dos quatro artistas, Maria Francesca, William Michael, Christina Rossetti e Dante Gabriel. 
Em 1848 Dante Gabriel Rossetti, também ele um literato e poeta, profundo conhecedor da literatura italiana, já tinha traduzido a 'Vita Nuova', uma autobiografia de Dante Alighieri, cujo interesse e admiração o artista inglês alimentou por toda sua vida e carreira. As referências ao autor da Divina Comédia surgem em várias pinturas de Rossetti, desde “O Primeiro Aniversário da Morte de Beatriz” de 1853-4, “A Saudação a Beatriz” de 1859 e “Beata Beatriz” de 1872.
Mas o trabalho mais elaborado e também o de maiores dimensões é “O Sonho de Dante”. Pintado entre 1869 e 1871 e medindo 216 x 312.4cm, a tela em óleo teve vários estudos em aquarela. Foi concebido no início de 1848 e teve sua primeira versão em aquarela, ainda de caráter bastante medievalista, em 1856. Somente na última versão a óleo vemos evoluir dentro de um espaço pictórico brilhante e renascentista a 'visão' que Rossetti tem do sonho de Dante.
O primeiro trabalho em aquarela, 1856
Ele representa o episódio narrado na biografia de Dante Alighieri sobre seu sonho, após dias em estado febril, com Beatriz em seu leito de morte. Ele é conduzido até ela pela figura do Amor, um anjo vestido de vermelho, levando um ramo de flor de macieira, uma flor de primavera e também um símbolo de amor não consumado, já que colhido antes de vir a frutificar. Papoulas, que são flores identificadas com o sono e a morte, forram o chão. O Anjo conduz Dante pela mão, sendo aqui um elo entre Beatriz e o poeta. A fusão entre Amado e Amante representando a busca do homem pela sua própria alma, um tema tão caro ao pai de Dante Gabriel Rosseti, que defendia a ideia de Beatriz ser a personificação da alma de Dante Alighieri.
A pintura a óleo, 1869-1871




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