O Sonho de Dante
O
interesse hereditário pela vida
e obra
de Dante Alighieri na família
Rossetti
levou
Gabriel
Charles
Dante (1828-1882),
um
dos filhos do poeta
e acadêmico
napolitano
Gabriele
Pasquale
Giuseppe
Rossetti
(1783-1854)
a
mudar
seu nome artístico para
Dante Gabriel Rossetti, talvez
o mais
conhecido
dentre
os
fundadores e
integrantes
da Irmandade Inglesa
Pré-Rafaelita.
Junto
a
Everett Millais e William Hunt e
sob
a proteção do renomado
crítico
de arte John Ruskin, eles
deram
relevância e referência a um
movimento que
podemos
considerar
talvez
como
um dos últimos
alentos
românticos dentro
da
cena
artística
do
século XIX.
Os
intrigantes
Pré-Rafaelitas
tentaram
restaurar ideais estéticos baseados no Renascimento Italiano
temperados
com
uma apologia mística que buscou ressacralizar o mítico reinado do Rei Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda como detentores mágicos do Santo Graal,
tornando
assim o solo inglês e a história de seus ancestrais algo sagrado e demiúrgico.
A
retomada de vários ideais clássicos tomados do Quattrocento fez também
com
que os Pré-Rafaelitas se vissem influenciados por um
amálgama de criação inventiva que ia de William
Blake aos poetas românticos ingleses. A própria literatura que se
praticava então,
com Lord Tennyson, Robert Browning e Elizabeth Barret, para citar
apenas alguns,
também era, sob uma certa perspectiva, outra releitura do Romantismo
Inglês, um culto ao glamour, ao sexo livre e ao oculto (com direito
ao macabro e sinistro culto da morte em todos os sentidos). A
arte
visionária,
de
ordem
abertamente
metafísica
exercida por William Blake no século XVIII, aliás
muito adiante
de seu
tempo,
será aqui
mais
que uma âncora para esse
movimento. Blake
sempre teve o dom de projetar sua infuência como uma catapulta de
pacífica revolução. O movimento Pré-Rafaelita culmina e comunga de todos esses ápices.
Gabriele
Pasquale
Giuseppe Rossetti, intelectual,
curador de arte e professor, pai
de Dante Gabriel Rossetti,
foi
um
refugiado
político condenado a uma sentença de morte que conseguiu escapar
ileso da Itália fugindo
por
Malta em 1824, onde
viveu por aproximadamente três anos antes
de se estabelecer definitivamente
na
Inglaterra.
Durante
sua fuga ele teve uma visão ou inspiração com o poeta Dante
Alighieri onde este lhe pedia que escrevesse sobre o
significado da
Divina Comédia, trabalho a que Gabriele se dedicou com afinco,
apresentando a obra como um tratado esotérico que defendia algumas
ideias muito interessantes e originais. Dois
anos após sua chegada a Londres ele se casou com Frances Mary
Lavinia Polidori, filha de outro professor italiano e homem de
letras, Gaetano Polidori, também este
radicado na Inglaterra.
Um
dos filhos de Gaetano era ninguém menos que o enigmático John
Polidori (1828-1882),
amigo
e médico particular do
grande
Lord Byron. Ele estava na companhia de Byron, Shelley, Mary Shelley e
Claire Clairmont na famosa Villa Diodati, uma casa alugada por Lord
Byron às margens do Lago de Genève, Suíça, lugar
desde
então
mal
falado
e
mal visto em
toda a vizinhança,
fato
bastante
comum
a tudo que se relacionasse ao
kilométrico
histórico de escândalos e ousadias de
Byron, que
gozava já naquela época do inédito status de
verdadeiro astro internacional, isso
num período em que os meios de comunicação eram totalmente
precários
e
escassos. Nesta mansão, a título de diversão à luz de velas nas
noites de tédio, por sugestão do locatário, eles vieram
a inventar
alguns
dos
pilares
para
histórias de terror que depois
sobreviveriam
ao longo do tempo, inspirando literatura, teatro, cinema, música
e
artes visuais. A John William Polidori deve-se a primeira história
sobre vampiros e a Mary Shelley a invenção do escalafobético mito
de Frankenstein.
Os
diários de viagem de Polidori foram editados muito
tempo após sua morte por
um de seus sobrinhos, William Michael
Rossetti. Nenhum dos quatro talentosos e notáveis filhos de Gabriele
Pasquale chegou a conhecer o célebre tio que faleceu aos 29 anos de
idade em situações nunca devidamente esclarecidas.
Havia,
pois, na família de Dante Gabriel Rossetti, um forte ambiente literário. Os
filhos compartilhavam cúmplices, ideais vindos de duas fortes culturas e isso favorecia um ecossistema interno que repercutiu de maneira fértil no trabalho marcante e carismático dos quatro artistas, Maria Francesca, William Michael, Christina Rossetti e Dante Gabriel.
Em
1848 Dante Gabriel Rossetti, também ele um literato e poeta,
profundo
conhecedor da literatura italiana, já
tinha traduzido a 'Vita
Nuova',
uma autobiografia de Dante Alighieri, cujo interesse e
admiração o
artista inglês alimentou por toda sua vida e carreira. As
referências ao autor da Divina Comédia surgem em várias pinturas
de
Rossetti,
desde “O Primeiro Aniversário da Morte de Beatriz” de 1853-4, “A
Saudação a Beatriz” de 1859 e
“Beata Beatriz” de 1872.
Mas
o trabalho mais elaborado e também o de maiores dimensões é “O
Sonho de Dante”. Pintado entre 1869 e
1871
e medindo 216 x 312.4cm, a tela em óleo teve vários estudos em
aquarela. Foi
concebido no início de 1848 e teve sua primeira versão em aquarela,
ainda de caráter bastante medievalista, em 1856.
Somente
na última versão a óleo vemos evoluir dentro de um espaço
pictórico brilhante e renascentista a 'visão' que Rossetti tem do
sonho de Dante.
O primeiro trabalho em aquarela, 1856
Ele
representa o episódio narrado na biografia de Dante Alighieri sobre
seu sonho, após
dias em estado febril,
com Beatriz em seu leito de morte. Ele é conduzido até ela pela
figura do Amor, um anjo vestido de vermelho, levando
um ramo de flor de macieira, uma flor de primavera e também um
símbolo de amor não consumado, já que colhido antes de vir a
frutificar. Papoulas, que são flores identificadas com o sono e a
morte, forram o chão. O Anjo conduz Dante pela mão, sendo aqui um
elo entre Beatriz e o poeta. A fusão entre Amado e Amante
representando a busca do homem pela sua própria alma, um tema tão
caro ao pai de Dante Gabriel Rosseti, que defendia a ideia de Beatriz
ser a personificação da alma de Dante Alighieri.
A pintura a óleo, 1869-1871
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